terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Suando indagações

Como você imagina que se sentiria no deserto? Das inúmeras respostas que se possa dar a essa pergunta, a minha eu imagino que seja uma das menos pensáveis. Era lá que eu gostaria de estar. Andar sempre em frente, ao sol de dia tostando no couro, sob as estrelas de noite no meio da escuridão. Sentir a instabilidade da areia, o vento, o silêncio, deixar rastros que se apagam em pouco tempo. ( sentir, sentir, sentir - é só nisso que eu falo, como se não pudesse ou estivesse sentindo qualquer coisa agora).
Como me alimentar, beber água, me proteger? Esses seriam os problemas mais sérios do mundo para alguém que nessas condições resolvesse viver. Nada mais poderia ser tão alarmante. Eu poderia buscar pelos verdadeiros oásis na vida dos seres humanos. Pelo menos os fisicamente vitais... porque os mentalmente ou psicologicamente vitais eu queria afogar e destruir no meio das ânsias corpóreas.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Primeiras Impressões

Tudo estava ficando muito claro à minha volta. Aos poucos a luz ia iluminando cada grão de areia, e era como se essa luz fosse sendo transmitida gentilmente à toda parte. Era o sol nascente. Pude perceber que até então estava com muito frio, pois despertei lentamente, toda encolhida no chão. Mas agora o calor começava a inundar o ar e entrar pelo meu nariz. Fui abrindo os olhos e enxergando meio atrapalhada o dourado da paisagem. Segurei a areia que brilhava cada vez mais com o correr dos segundos. Meu rosto estava coberto dela, assim como meu cabelo, e havia um pouco também incomodando nos meus olhos. Nuvens no céu iam se dissipando e a paisagem de escura ficava cada vez mais dourada, do preto e vermelho para o amarelo. Eu me sentei apoiando com dificuldade a mão na areia. Era só o que eu via em volta: dunas de areia, grandes dunas ensolaradas onde o vento arrastava os grãos fazendo desenhos sinuosos.
Me levantei limpando a areia dos olhos, sacudi o cabelo e percebi que também havia areia na minha boca seca.
-Onde eu vim chegar?
Andar era difícil. Por alguma razão era como se eu estivesse aprendendo a caminhar denovo e o chão instável piorava a situação, mas depois de alguns minutos eu consegui dominar meu equilíbrio. Agora o calor ficava mais perceptível na minha pele.
Vi que o Sol era uma enorme circunferência subindo no céu, e apesar de não existir nada além das dunas que eu pudesse ver, as coisas de certa forma estavam interagindo com a chegada do astro. O vento formara uma trilha carregando milhões de grãos de areia. Ela se formava na direção em que o sol surgira e crescia na direção oposta se alongando para o horizonte, subindo e descendo dunas. Eu sabia que algo me indicava o caminho.
Mas ainda há que perguntar como eu vim pra cá? Teria provocado isso sozinha? Cheguei a imaginar que talvez a morte resolvera me poupar do mundo. De qualquer forma eu senti que tinha acabado de nascer em algum lugar. Um lugar que eu adorava e cheguei a imaginar algumas vezes. Espantosa a maneira como me sentia em paz mesmo que confusa. A realidade à minha volta não era assim tão inédita em mim. Familiar sim. Teria eu encontrado uma forma de concretizar desejos subjetivos?
A senda de areia continuava lá e se desfazia vagarosa no seu ponto inicial para continuar se estendendo adiante. Ainda desajeitada e zonza, pus um pé à frente do outro e comecei a andar. Entrei no rastro de areia com tanto cuidado que parecia ter pulado uma fronteira. O vento empurrando minhas costas incentivou o caminhar. Há sempre um objetivo para quem segue um caminho.
Atrás de mim, olhar para o sol ainda era um desafio. Logo ele estaria bem acima da minha cabeça, por isso era melhor encontrar logo qualquer coisa além de areia. Algo que pudesse me revelar qualquer informação a respeito de tudo. O tudo que me rodeava e o tudo que dentro de mim se misturava às sensações exteriores. À frente com certeza existiria algo para mim, para ser encontrado ou para me encontrar.

domingo, 29 de agosto de 2010

Senda de Cada Dia

Acordei bem disposta e olhei o relógio. Ele me disse: vai agora, já começou! Eu levantei e vivi o dia inteirinho, cada momento grosso ou insosso. Tomei o café, fiz minhas coisas, cuidei dos assuntos importantes e dos triviais. Falei, calei, andei, morri, renasci, curei, escrevi... Tudo de mais meu eu gravei nesse dia. Quando a lua apareceu meio torta eu planejei: vou mais rápido pra sobrar um tempinho no final. Gosto de me debruçar no parapeito da janela dos fundos e reavaliar todas as minhas gotas de sangue que vão correndo pelo átrio enquanto vejo aquelas máquinas corredoras seguindo pela rodovia como se realmente estivessem fazendo algo vital. É engraçado...
Mas quando cheguei cansada na cozinha o relógio me disse: Agora termina tudo, vai dormir que o dia já se foi.
-Mas já?
-já, não está vendo que ficou tarde?
-E pra onde ele foi?
Isso ele não soube responder.

sábado, 28 de agosto de 2010

Início de Conversa



Quando decidi sair do conforto, foi de caso pensado. Tudo estava me irritando, tudo aquilo que me protegia, que me resguardava de sangrar através de todos os poros. Chega de satisfações externas, de sono conturbado pela falta de profundidade na minha vida. Não queria mais viver. Não queria mais viver para lidar com os problemas de uma realidade que não me completava.
Se fosse para sofrer, então que fosse um sofrimento escolhido, aquele sofrimento que te faz sentir liberto, simplesmente porque você tem a certeza de que ele faz parte do seu ser, está nas suas entranhas, na sua cabeça, contempla as sua razões: ele é seu!
Escolhi o deserto. Uma paisagem intensa, palco de um drama prático, contrasta com o drama interno. Não há luta por qualquer coisa que não seja a própria existência. É mais que sobrevivência. É sobre-humano no sentido de que a necessidade física dialoga diretamente com o espírito e a mente. Ele te diz quem é você sozinho... e diz bem alto.