sexta-feira, 20 de maio de 2011

Nem tanto silêncio

Andar na areia do deserto não é como caminhar na praia. Eu já havia caminhado na praia muitas vezes. Quando seus pés cansam de serem tocados em milhares de pontos diferentes, combinados de centenas de milhares de formas, você vai em direção à água, descansa-os da sensação quente, passa a mão na sola. Mas aqui não acontece assim. Eu tinha que me sentar para aliviá-los dos grãos de areia, massagear e passar um pano que os fizesse recordar de um toque e uma textura diferentes.
Mas muito pior era ter que admitir outra coisa. Quando eu estava no meu convívio comum, com família, amigos e outras pessoas, sabia desfrutar dos meus momentos sozinha muito bem. Lembro-me das muitas vezes em que dizia "eu até gosto de ficar sozinha, é bom". Mas agora a solidão não era uma questão de escolha ou oportunidade. Era sim uma constante, uma sensação de que o tempo estava durando demais e o silêncio fazia muito barulho.




De repente apareceu uma coisa no ar. Uma coisa que de longe não dava pra dizer o que era. Estava dançando no ar e com toda a desconfiança eu não queria arriscar o que  poderia ser. Fiquei parada somente. Olhando... olhando, uma coisa pequena e mais ou menos encardida se aproximando, sendo trazida de leve. Aquela dança era era tão particular e misteriosa que nada poderia me fazer sair do lugar, muito menos mover os olhos para outra direção. O som particular do vento na paisagem, ressoando nas minhas orelhas, o clima estável, pouco quente, céu azul claro, nuvens esparsas. Um conjunto de elementos combinados numa linha harmoniosa que os fazia compor algo mais elevado, mais condizente, menos palpável, imaterial, apenas audível. Algum pedaço de coisa chegando perto balançando no espaço como se tivesse o direito de ser a única coisa com movimento além doque podia ser ouvido. E como consegui sair um pouco de mim, podia ouvir.
Um papel. Um papel sujo, encardido, voando no nada. Um pedacinho pequeno como uma borboleta. Chegando insolente. Só estendi a mão depois de vencer aquela paralisia total e ele caiu depois de quase bater no meu rosto. E estava escrito pelas mãos de alguém.


buscar os sentidos  onde o ser é apenas mais 
um mero e seco grão de areia, que ali 
se faz importante  quando unido aos seus 
iguais, onde morre a beleza do nada?
Morre aos olhos frios dos cegos por razão...
um único e seco grão que faz parte 
do infinito livro não escrito da história
humana...
(Páginas de um diário de um
amante do silêncio no deserto)   

4 comentários:

  1. É preciso esclarecer que a citação colada nessa postagem não pode a mim ser atribuída: não fui eu que a escrevi. O autor pode aqui se manifestar caso queira.
    Obrigada.

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  2. Cada vez mais surpreendente. A escolha do poema final foi excelente. Sua marca, a sinestesia, está presente em cada linha do texto, em um conjunto de sensações que lhe transportam para o seu deserto.
    Muito bom!!!

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  3. Achei maravilhoso o jeito como eu senti calor, sol e areia mesmo sentada na sala, numa noite fria dessas!

    E achei frio e quase sombrio o jeito como eu senti o silêncio.

    Adorei!

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